Quem sobreviveu ao caos precisa reaprender a confiar na tranquilidade

Algumas pessoas sonham com a paz, mas, quando ela chega, sentem um desconforto difícil de nomear. O coração acelera, a mente busca algo para resolver e o corpo parece não saber o que fazer com tanto silêncio. Afinal, quem passou a vida sobrevivendo ao caos precisa, aos poucos, reaprender a confiar na tranquilidade.

Em muitas histórias, o caos não é um acidente, é o cenário de origem. Casas onde o humor mudava de um segundo para o outro, onde o amor vinha condicionado, onde o silêncio era sinal de perigo. Nesses ambientes, o corpo aprende que o alerta é a única forma de permanecer seguro.

Mesmo depois de adulta, a pessoa carrega esse aprendizado dentro do corpo: precisa estar sempre atenta, sempre resolvendo algo, sempre pronta para o pior. E quando a vida oferece um pouco de estabilidade, essa calma soa estranha, quase como se fosse um prelúdio de algo ruim.

A dificuldade em relaxar não é falta de gratidão ou de maturidade emocional. É um reflexo de um sistema nervoso treinado para reagir, não para descansar. Por isso, muitas vezes, o corpo se mantém tenso mesmo quando tudo está bem: há uma vigilância silenciosa, uma desconfiança do descanso.

Tirar férias sem culpa, permanecer em silêncio numa conversa, passar um dia sem pressa... tudo isso pode ser um desafio. É como se a mente dissesse: “se eu relaxar, algo ruim vai acontecer” ou "essa realidade está boa demais para ser verdade".

Na terapia, esse reaprendizado acontece devagar. Não basta entender racionalmente que agora é seguro, o corpo precisa viver experiências de calma e não ser punido por elas. Momentos simples, como tomar um café sem pressa, permitir-se um fim de semana tranquilo, respirar fundo antes de reagir, vão ensinando o sistema nervoso que ele pode baixar a guarda.

Reaprender a confiar na tranquilidade é ensinar o corpo que o perigo constante e iminente passou. É aceitar que a paz não é uma armadilha e sim uma possibilidade.

Quando esse processo se consolida, o silêncio deixa de ser ameaça e se torna abrigo. A vida deixa de ser uma sucessão de urgências e passa a ter respiros, pausas, intervalos. A tranquilidade, antes desconfortável, passa a ser um sinal de segurança. Assim, o corpo aprende que, enfim, descansar também é uma forma de existir.

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© 2025 Psicóloga Fernanda Moreira

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